O "Day After" dos Evangélicos que Buscam "Alianças" ou a Volta da Constantinização
O processo de redemocratização de nosso país, teve início em meados da década de 80 e aconteceu num momento singular da história do protestantismo brasileiro.
Exatamente naquela década os evangélicos brasileiros avançavam quantitativamente 5,2% ao ano. Para ser mais claro: estávamos crescendo mais de duas vezes em relação ao crescimento vegetativo. Algo digno de nota, pois tratava-se de algo inusitado e que, de certa forma, começava a sinalizar algo novo para a Igreja Evangélica Brasileira.
Teve início também naqueles dias um despertamento muito grande para que as igrejas pudessem enviar seus filhos para os campos missionários transculturais. Passou-se a buscar o crescimento de igrejas locais e o fenômeno das mega-igrejas se instalou entre nós. As mais variadas teologias sobre libertação espiritual penetraram o segmento evangélico, especialmente vindas da América do Norte.
Proliferaram também, neste período, o estabelecimento de igrejas independentes, dando início ao fenômeno hoje conhecido como pós-denominacionalismo.
Foi também naqueles dias que o então presidente Sarney desejou ardentemente prorrogar seu mandato por mais um ano. Naquela altura já havia um pequeno contigente de políticos evangélicos na Câmara que, além de neófitos na arte de se fazer política, tornaram-se, muitos deles, massa de manobra para os interesses do Planalto.
E os olhos daqueles que governavam perceberam que um novo curral eleitoral se prenunciava forte e que o melhor seria tê-los como aliados. Sabe-se que os votos favoráveis destes deputados evangélicos à prorrogação do mandato do então presidente proporcionou a vários deles concessões de rádios e até mesmo de canais de televisão.
Nada mal para uma igreja que estava dando sinais de crescimento e que precisava ser domesticada segundo os padrões do rei terreno.
Quando lembro-me destes fatos sinto uma mescla de tristeza e ao mesmo tempo de ira, que espero, ser santa.
Mas o fato ainda mais desalentador é que iniciou-se naquela altura o estabelecimento da cultura dos conchavos e das alianças.
Mais do que isso: muitas profecias foram compartilhadas com o povo de Deus em suas igrejas, como vindas do trono do Rei, e que viraram cinzas... Quem não se recorda do apelo que milhões e milhões de evangélicos receberam em 1989, afirmando que Collor definitivamente era o enviado de Deus para governar nossa nação com justiça e equidade?
E que seu oponente era alguém que estava a serviço do reino das trevas? O "day after' mostrou que as profecias nada mais eram do que resultado de alianças espúrias feitas com o então candidato.
Ao contrário do que temos visto, o nosso Deus quando deseja estabelecer uma relação genuína e verdadeira com Seu povo Ele estabelece uma aliança.
Logo após o episódio do dilúvio, o Senhor Deus diz a Noé:
"Vou estabelecer a minha aliança com vocês e com os seus futuros descendentes e com todo ser vivo está com vocês..." (Gn 9.9-10)
Esta atitude de Deus tinha a ver com toda a criação que havia sido afetada naquele momento pelo julgamento do Senhor.
Mas esta aliança viria acompanhada de um sinal indelével, marcante:
"Este é o sinal da aliança que estou fazendo com vocês, para todas as gerações futuras: o meu arco que coloquei nas nuvens. Será o sinal da minha aliança com a terra."(Gn 9.12-13)
Deus estabelece a aliança com todo ser vivente por uma única e simples razão: seu amor infinito. Porque nos ama, Ele estabelece um pacto de amor com todos, inclusive com aqueles que estão longe dEle ou mesmo não O conhecem.
Nesta aliança divina havia apenas um promotor, Deus, e os beneficiários, todos os seres humanos. Nada de troca. Nada de toma lá, da cá.
Recentemente acabamos de passar por mais uma experiência extremamente salutar e democrática de exercer nossa cidadania, escolhendo nossos governantes, e especialmente nosso presidente.
Há uma linda história sendo escrita nesse país através da liberdade plena que temos de escolher aqueles que entendemos ser as pessoas com propostas que mais se assemelhem às do Reino de Deus.
Mas há também um lado triste que mostra que uma neo-constantinização está mais do que nunca presente e se adensando em muitos setores do protestantismo brasileiro.
Enquanto a AEVB (Associação Evangélica Brasileira), da qual tenho a honra de ser membro fundador, relembrou a todos os cristãos evangélicos o Decálogo do Voto Ético, a mídia mostrava vários líderes evangélicos estabelecendo alianças com este ou aquele candidato.
Quando isto acontece, invariavelmente uma pergunta sempre surge em meu coração. Estes acordos de apoio a um ou outro encerram-se no momento dos abraços e dos apertos de mão ou tem outros desdobramentos que podem desembocar em benesses as mais variadas?
Vale a pena refletir sobre isso à luz daquilo que o nosso Deus entende por alianças.
Para mim, como normalmente tem acontecido, o "day after" explicará muitas dessas alianças feitas tanto com o candidato vencedor ou perdedor.
O maior perigo diante de tudo isso é que a Igreja abdica de sua vocação profética de delatar as injustiças e os pecados de nossa sociedade em troca de alguns favores tão mesquinhos.
Sonho com o dia em que nossa nação escolherá seus dirigentes à luz dos valores do Reino de Deus, e não por credo religioso que eles professem.
Sonho com o dia em que os evangélicos desse país priorizem a missão da Igreja como algo obsessivo, de tal maneira que nossos governantes vejam em nós, não uma massa de manobras para alianças espúrias, mas gente que ama a Jesus de tal forma, que não abre mão dos absolutos da Palavra por nada neste mundo.