Tudo indica que perdemos aquela "santa ingenuidade" de promotores do Evangelho até os confins da terra
Lembro-me perfeitamente daquele dia. Estava sentado numa das poltronas do Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, ao lado de outros 3 mil congressistas, quando o preletor disse: "Hoje, a América Latina deixa de ser campo missionário, para tornar-se celeiro de missões para todo o mundo".
Confesso que aquela frase me impactou profundamente. Estava se desenrolando o Congresso Missionário Ibero-Americano (Comibam), que iria trazer nos anos vindouros um grande impacto em muitos setores da igreja evangélica brasileira e latino-americana. Mas isso já faz quase vinte anos...
A partir de então, pude ser testemunha ocular de um despertamento missionário brasileiro inusitado. Começaram a espoucar conferências missionárias por todos os cantos do País. Vocações foram despertadas. Jovens e casais foram treinados e enviados para várias nações. Até mesmo recursos financeiros passaram a ser destinados no sustento desses missionários tupiniquins.
O que se viu, em muitos casos, foi uma mudança profunda na agenda da Igreja, que passou a cumprir a sua missão, participando na expansão do Reino de Deus entre os povos da terra. Mais do que isso, essa missão assumiu um caráter de integralidade, fazendo com que profissionais da área da saúde, educação, esporte, etc. pudessem ser enviados para os povos não-alcançados mais resistentes.
Ainda hoje vivo o dia-a-dia das tensões do movimento missionário brasileiro. Mas, agora, com um sentimento de profunda perplexidade.
Esses últimos tempos têm mostrado um forte descompasso entre a Igreja e a Missão. Tudo indica que perdemos aquela "santa ingenuidade" de promotores do Evangelho até os confins da terra e nos tornamos muito mais "profissionais" de uma igreja que parece buscar cada vez mais seus próprios interesses.
Em outras palavras, deixamos de ser igreja-missão para nos tornar igreja-culto. Uma igreja intramuros.
Confesso que não tenho todas as respostas para esse contrafluxo da tarefa missionária brasileira, depois de quase duas décadas de franco desenvolvimento. Em minha mente, levantam-se algumas questões imperiosas que precisariam ser refletidas, se desejamos realmente retomar o antigo caminho de vislumbrarmos igrejas missionárias em nosso meio:
Porventura o preço da busca desenfreada do crescimento de nossas igrejas tem provocado o recrudescimento da missão da evangelização mundial?
Estamos conscientes de que alguns modelos de crescimento estão privilegiando a nossa Jerusalém -repetindo a síndrome de Pedro - em detrimento do alcance da Judéia, Samaria e os confins da terra?
Qual tem sido nossa atitude em relação aos missionários brasileiros que hoje servem em outras culturas, e que, aparentemente estão desamparados, desmotivados (muitos deles já retornaram às suas igrejas de origem)? O que faremos com as novas vocações reprimidas, mas presentes em nossas igrejas?
Até quando continuaremos com as portas escancaradas para receber as teologias da "contramissão", que têm privilegiado tantas vezes uma adoração sem missão, uma espiritualidade etérea e introspectiva e a busca de avanço econômico-patrimonial sem visão do Reino?
Hoje, nossos olhos parecem estar sendo colocados em outros campos... Cabe a nós, pastores e líderes, com humildade e arrependimento, resgatarmos aquele binômio que sempre dará certo: igreja-missão.
(58 leituras)
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