Pastorear o rebanho de Deus... Se alguma vez foi simples descrever o ministério pastoral, hoje já não o é.
Que faz um pastor? Ele prega, ensina, treina líderes, transforma a Igreja, ora, evangeliza, administra, visita (ainda?), discipula, motiva, disciplina, dirige (?) o louvor, aconselha, batiza, ministra a Ceia, arrecada, impetra a bênção, redige o boletim, governa, doutrina, quebra paradigmas, faz teologia, faz missões, dá testemunho excepcional de vida pessoal, familiar, financeira - hiperinflação do ministério pastoral!
Pastorear tornou-se um trabalho, uma profissão exigente. Ministério é para profissionais bem formados, treinados, capacitados, ordenados, assalariados, isolados. Seja como for, para pastorear é necessário fazer bem feito. Técnica. Tecnologia pastoral. Arte do fazer, fazer bem, fazer muito, fazer com sucesso; realizar, realização. Arte do fazer? Não seria melhor, a "arte do cuidar"?
De que aspectos de nossa atividade nós, pastores, construímos nossa identidade ministerial e pessoal? Em que modelos nos espelhamos? No retrato doutrinário denominacional do pastor? Nos pastores/bispos/apóstolos neo-pentecostais, neo-televisivos? Nos pastores das grandes, das mega-igrejas locais, daqui ou (preferencialmente) do exterior? Em pioneiros ousadamente se aventurando à busca de novos paradigmas? Nos saudosos pastores do passado, pioneiros desbravadores dos tenebrosos sertões e sombrios porões da alma humana? Não seria melhor prestar atenção à arte do Supremo Pastor?
Arte de cuidar, de cuidar-se. No dicionário do idioma português, "cuidar" é zelar pelo bem estar, pela saúde de; de outra pessoa, de si mesmo. No dicionário dos idiomas inglês-português, "cuidar" também é amar. Bem-estar, saúde e amor. Em linguagem teológica: bênção, amor e Salvação. A arte do pastorear, pode-se dizer, é a amorosa arte de abençoar, de estar bem, de bem-estar. Amorosa arte de salvar, curar, vivificar. Por isso o Novo Testamento fala do Supremo Pastor. Ele, Jesus, pastoreou efetiva e eficazmente. A amorosa arte que Jesus tinha para cuidar do rebanho culminou no dar-Se pelo rebanho... ovelhas sem pastor.
Assim, a arte de pastorear fica mais leve, fluida, viável. É arte de participar no bem-estar já oferecido, na Salvação graciosamente ofertada, no amor derramado. É, então, e antes de tudo, arte de ser pastoreado. Para cuidar é necessário ser cuidado. Na filosofia grega, dir-se-ia "a arte de cuidar-se" (o que bem estudou Michel Foucault). Na cosmovisão cristã, vinda do oriente, "ser cuidado". A arte de deixar-se ser cuidado por Deus. Como Deus cuida? Valorizando, lembrando-se, reunificando. Para pastorear é preciso, antes de tudo, ser pastoreado por Deus. Três pontos, três passos:
(1) Aceitar a valorização que Deus faz de nós, pecadores, ovelhas sem pastor. Por isso mesmo, amadas por Deus, Pai gracioso. O que sou? Pecador amado por Deus. Pecador, para não sucumbir às tentações do sucesso, da eficiente eficácia que tudo faz bem, realiza, consegue. Amado por Deus, para não sucumbir às tentações do insucesso, da letargia preguiçosa de quem já não vê nem mais a luz no final do túnel.
(2) Ser reunificado na comunidade de Deus. Traço vertical: ser recebido pela divindade, salvo, perdoado, reconciliado, justificado, glorificado. Ser filho(a), convivendo carinhosamente com o Pai, Filho e Espírito Santo. Traço horizontal: fazer parte do Corpo de Cristo, da comunidade de fiéis, crentes. Fazer parte de. Não estar acima de; não dominar; não se alimentar de. Ser irmã(o), membro da família.
(3) Receber o "lembrar-se divino". Como nos tempos dos pais e mães de Israel, Deus Se lembra da aliança, da promessa, do compromisso. Porque Se lembra, Deus cuida, cura, abençoa, acompanha, anima, corrige, perdoa. Lembra-Se de amar permanentemente, sem atentar para o mérito, lembra-Se em graça. Ser lembrado para poder lembrar. Lembrar do futuro, esquecendo-me das coisas que para trás ficam!
Só um lembrete. Este texto é o primeiro de uma série, uma série de propostas entre nós, líderes entre o povo de Deus. Propostas, antes que respostas, pois, pastorear é a arte de, sendo cuidado, cuidar... arte de propor ao rebanho de Deus o caminho de Deus, não os atalhos.
Julio Zabatiero é diretor de pós-graduação da Faculdade de Teologia Sul-americana em Londrina, PR.
(94 leituras)
Comentários neste assunto:
Cuida(n)do - A arte do pastorado - (1Pedro 5.1-4) | 1 comentário | Inserir comentário
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Bom Texto!
Escrita em 06/05/04 às 13:14 por Usuário anônimo
Creio que este texto é um realto apaixonado em busca da identidade pastoral, tão disforme em nossos dias. Os pastores são conhecidos não por sua devoção, retidão e conhecimento de Deus, mas pelos resultados concretos de suas ações administrativo-pastorais. Termos como Gestão Ministerial, Consultoria Eclesiástica, entre outros nessa direção, deveriam ser banidos do meio eclesiástico, pois aliementam a visão de que o ministério pastoral assemelha-se à gerência de uma empresa qualquer. Não quero dar resultado, quero conhecer a Deus e fazê-lo conhecido. Quero cuidar e ser cuidado. Me lembro que Karl Barth, em sua mesa de trabalho, possuía uma gravura interessante: a figura de um teólogo com o dedo apontando para a cruz. Este é o nosso chamado: Apontar para a cruz. Para cruz, não para o marketing. Para cruz, não para conceitos de administração de empresas. Para a cruz, não para o crescimento mediocrisado. Para cruz, para a cruz somente!